sexta-feira, 25 de novembro de 2016

No vazio que deixa o ar, na esteira que varre o mar, nas ondas desse te encontrar, me ajoelho, me curvo, e penetro no silêncio da dança das águas que me aceitam, enquanto espero a arrebentação passar.

domingo, 13 de novembro de 2016

E então me apoio sobre olhos cegos e com minhas mãos em pregos, não toco a beleza, não encosto na dor. Sem gostos, sem páthos, me amparo em relatos, muretas, muletas, frágeis borboletas de asas cansadas que fincam minhas costas, já tanto pesadas, em um permanente pensar, seja por onde for. E por aí me vou, entre ilusões e verdades, sempre muito solto em falsas liberdades, andando, correndo, parando e seguindo por entre as veredas desse mundo lindo, onde quase cantando, sorrateiro, rindo, ainda insisto e insisto e insisto em viver.

sábado, 12 de novembro de 2016

De tempos em tempos surge um vento, um alento, um invento que se perde em nós. Um intento que se acha em mim, que se encaixa em ti, que enfaixa ferimentos lentos isentos de dor. Um lar onde se deita solto, onde descanso envolto em um belo cantar. Um chão descalço de um falso percalço, de uma cor serena, de um raso pensar. É quando tudo desperta daquela paz incerta que insistiu alerta em teimar, em teimar. E de um barco torto, de um pequeno mar morto, salgado, virado, ainda há de se alçar.
A solidão é um desencontro de nós mesmos.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Rumo ao mar



Quando dei por mim, estava lá. Solto, morno, largado. disforme em meio ao velho sofá, à espera de algum sinal que me pudesse lançar à vida. À minha vida, ou à vida de quem quer que fosse que me pudesse levar adiante, por entre as portas, as janelas, as paredes, os jardins.

Alguém que pudesse suportar o peso de meu corpo gordo, desengonçado, que insistia em estar onde eu não queria que estivesse. Sempre transbordando de meu ser, sempre diluindo meu verdadeiro eu, e encharcando o mundo ao meu redor de incursões invasivas e evasivas.

Alguém que pudesse me cortar em tiras, fatiar minha carne e me tirar de mim.
Alguém que pudesse me encontrar, onde quer que estivesse em meio à minha descomportada morada.

Morada de acúmulos de sonhos vividos e frustrados numa coleção de sabores, de odores, de amores e peles que se encontram e esfregam no pulsar das ondas que navegam soltas em minhas tão suadas roupas.

E eu estava lá. Contido em minha prisão. Moldado em meus erros, em meus acertos, em minha quase entrega.

Quase entrega pela qual escorrego como manteiga quente pra dentro de uma garrafinha suja. De onde saio ainda líquido para molhar algum pedaço de bicho esturricado ao sol.

É cômodo ser líquido. Caber onde quer que caiba.

É cômodo escorregar, molhar, cair, juntar em poça, no fundo de algum lugar.

No fundo de algum lugar.

No fundo, é isso. Não ter que se entregar.

Apenas se largar, deixar, fluir, molhar, escorregar, moldar, deitar e parar, enquanto o sol não aparecer, esquentar e levar (pra outro lugar).

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

ESPADAS

Atrás jorrava o rio. Denso, intenso, plácido. Lento, sereno, imenso. Embaixo, chorava o pasto. Raso, amargo, molhado, em meio a piscares de orvalho. Um trigo reluzente e fértil a risadas tímidas de canto de boca.
Em frente se via o cume de colinas que talvez fossem morros para agradáveis escaladas. Um tatear gostoso, firme e delicado, que na pressa arranha, e na calma acaricia e nos conduz seguros. Momentos nos quais podemos nos unir cantando cada grão de nossa pele seca na chama que clama o topo.
Mirei o nada e dei por mim que o que sentia era só. Que o que havia era só. Que o que vinha era só, que o que pensava ainda era só. 
E sempre seria só, enquanto esse ar insistisse em não deixar meus pulmões, inalar-se noutros cheiros, noutros narizes, noutros temperos. Noutros sabores que nunca hei de lamber, que nunca hei de sentir. 
Todo esse nada, esse todo, esse ar que existe, que insiste, que preenche, que me enche, que sufoca.

sábado, 17 de setembro de 2016

Bailarina

Por Edson Travassos Vidigal

Naquela caixinha meiga ela dançou viva e cálida enquanto o mundo se fechava ao leu de uma canção. Valsou em mim, flutuou em si, Um pé no ar, outro espetado ao chão. Balançou seus braços, repetiu seus passos, na circunferência morta de um astro anão. Suas dobras duras sacudiam tortas carregando o brilho de estrelas mortas. Suas costas lisas refrescavam brisas de um dia escuro, noite de verão. Seu mundo era seu, só seu. Ali, naquele infinito breu. No nada que se veste negro, no todo que se despe nu. E no ínfimo instante em que seguiu adiante, cantou bem baixinho a surda melodia que um dia encantou olhares e tocou bem forte a pele rubra e pálida de um frágil coração...